Últimas ( Estamos quase de saída )
Estamos em Mueda há um ano, chegamos em Maio de 1967. Sabemos já para onde iremos,
mas não sabemos ainda a data da saída, por
isso a vida militar continua , quase, normalmente.
Mais uma operação e mais uns dias no mato, invariavelmente no Vale de Miteda. Os dois grupos de combate já
estão nos unimogs e à ordem do comandante de coluna, geralmente um oficial do esquadrão, avançamos na direcção
dos cães de guerra, viramos á direita e começamos a descer, já na picada para Nancatare. Passamos pelas águas,
pela ponte e pelas bananeiras, um pouco á frente a coluna parou, montada a segurança,- " Toca a despachar " -,
abandonamos as viaturas e entramos na mata pelo lado esquerdo.
Ainda era manhã bastante cedo quando comecámos a subir o morro. O arvoredo era muito, mas caminhava-se
sem problemas e sem necessidade de utilizar catanas para abrir caminho. O grande problema foi que mentalmente
já não estavamos ali. Com o avançar do dia o calor incidia sobre nós dificultando a caminhada e foi decidido
fazer uma pequena paragem para descansar. O morro, visto do planalto, não parecia tão elevado mas colocado
perante nós, e com a carga psicológica da breve saída, tudo pesava mais. Claro que no tempo de paragem, em
susurro, apenas se comentava a
nossa ida para o " Sul ".
- Toca a andar, toca a andar -, era a voz habitual do comandante e assim reiniciamos na formação tradicional
de " bicha de pirilau ", e o ataque ao morro recomeça.
A coluna era composta por dois grupos de combate, perto de 50 homens. O objectivo era apenas de nomadização
e marcar presença militar. As secções sucediam-se á frente e entre elas os camaradas substituiam-se de tempos a
tempos, sem ser necessário indicar especificamente ninguém. Já eramos cocuanas e a mecanização estava bem
oleada, apesar de haver sempre, um ou outro, com os seus lamentos pessoais.
Mais uma paragem, desta vez para o almoço e contra o que era habito, cada um mantinha-se na sua posição, isto
é, a distancia era mantida entre cada elemento, começaram a formar-se pequenos grupos sempre com a conversa
da breve saida da zona de guerra.
- Que merda de bandalheira é esta?????, pergunta o Furriel.
- Estamos a falar sobre a ida para o Sul, dizem.
A resposta do Furriel não foi meiga e todos voltaram para os seu lugares, mantendo a distancia de segurança.
Todos de pé, continuamos a subida. Apesar dos nossos 23 / 24 anos, da nossa excelente condição fisica, as
condições do solo e o calor intenso começam a provocar cansaço. Por consenso entre os dois oficiais, e ouvidos
todos os outros graduados, decidiu-se atravessar o cume apenas durante a noite e pernoitar no inicio da descida.
É altura de fazer o circulo e pernoitar, depois de acertar com os turnos de vigia. A noite já ia alta, o barulho
dos animais já não nos preocupavam, já não confundiamos as hienas com os choros dos bébés, já estavamos
perfeitamente integrados na mata, até eu já conseguia dormir , por vezes, algumas horas.
Mal começa a clarear, é dada ordem para levantar e voltar á formação habitual. Começamos a descida e
passamos por uma zona com muitas laranjeiras, provavelmente teria sido, antes da guerra, alguma zona
habitada e aproveitamos para encher o bornal. Continuamos a descida e, coisa rara na nossa comissão, não
vimos nenhum trilho, o que queria dizer que não havia população nas proximidades.
Mais uma paragem, agora para almoço, que aproveitamos para comunicar com o quartel, como era
habito diariamente. Não conseguimos comunicar e decidiu-se subir a uma árvore e espalhar o fio de antena
para assim obtermos melhor recepção o que conseguimos. Continuamos a descida e quando atingimos o
sopé do morro, o comandante , surpreendentemente, nos manda virar á direita na direcção da picada. Alguns,
mais observadores, perguntaram o que se passaria. Estávamos a finalizar o segundo dia e nada condizia
com o plano de operações que nos tinha sido comunicado. Lá fomos direito á picada e ali montamos
segurança, quando passado pouco tempo ouvimos ao longe o roncar dos carros.
- Os cocuanas regressam ao quartel - Já não sei bem se foi assim que nos foi dada a informação, mas deve ter
sido qualquer coisa do género. Grande alegria ao entrarmos para os unimogs.Passamos novamente pela ponte,
pelas águas e quando atacámos a subida já a noite aparecia.Passamos pelos cães de guerra e viramos á esquerda
para a " avenida ", onde paramos em frente á porta de armas.As G3 são colocadas na vertical, retiramos o
carregador e cada um puxou a colatra atrás para retirar a bala da camara.As viaturas entararm no quartel e foram
estacionar em frente da caserna à esquerda, local da minha companhia. O Quartel estava todo iluminado, até nós
estavamos iluminados por dentro.Cada um foi para o seu " aposento ", por mim passei pela messe , como habitualmente,
e " limpei-me " por dentro com uma " bazuca " bem fresquinha. De seguida fui para a minha flat, passei pela
minha cama, onde estáva uma carta, e fui directamente para o banho, que mesmo de água fria, me soube bastante
bem.Meti-me na cama, não me lembro se os lençois estavam ou não lavados, abri a carta, que não me lembro de
quem era e adormeci.
Tinha, enfim, terminado um dia perfeito.
Linda-a-Velha, Março de 2017
José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex- Furriel Miliciano )
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