Estávamos
há algum tempo em Vila Coutinho,distrito de Tete, quando o
meu pelotão foi enviado para o Tsangano.Esta localidade
só tinha importância estratégica
militar, pois fica junto á fronteira do Malawi, país que
era governado, com pulso de ferro, por
Hasting Banda, amigo de Portugal e da nossa politica
de colonização.No local apenas havia um barracão,
onde o pelotão ficáva, e mais
uma pequena palhota, feita de barro, que servia de
cozinha e de padaria.Havia, a uma distancia de cerca de 500 metros, um
conjunto de barracões
em tempo passado utilizado por uma empresa que
laborava na área e onde os graduados dormiam.Lá dormi,
quer com o Alferes Coelho, quer
com o Furriel Alves.Nunca gostei de lá
pernoitar, era um local distante do quartel, isolado e completamente
vulnerável.Lá fiquei muitas noites mas
sempre com a G3 ao meu lado, bala na camara e carregador colocado.
No distrito de
Tete, em 1968/69, não havia presença de guerrilheiros, no
entanto os serviços de informação já
conheciam algumas
movimentações, especialmente de
passagem, e também de contacto com as populações
para as sensibilizar para a indepência de Moçambique.
Fundamentalmente o tempo era passado na apanha de lenha e na
caça.O responsável pelos géneros alimenticios era
eu e tinha uma
determinada verba que me era dada pela secretaria em
Vila Coutinho.Havia, embora distante, um cantineiro que nos fornecia
batatas, legumes
e frangos.Há noite havia,quase sempre
caçadas que eram organizadas através de uma
secção, pois o aquartelamento não podia ficar
desguarnecido, e lá íamos munidos de
holofotes e pequenas lanternas, que eram colocadas na cabeça,
para nos ajudarem a vêr o ponto de mira.
No Continente nunca tinha sido caçador, no
entanto o tipo de caça que praticámos era deveras
empolgante, sendo a maioria dos animais da
familia das gaselas.Grande parte da nossa
alimentação era, portanto, á base de carne
de caça, não gastando o dinheiro que nos pertencia.
Passado algum
tempo regressamos a Vila Coutinho e fiquei com uma quantia em dinheiro,
que não pertencendo á secretaria
da companhia, também não me pertenceria.
A vida em Vila
Coutinho continuava com serviços de Sargento de dia ao quartel e
serões de jogos na pensão do Sr. Correia, sendo num
desses dias de Sargento de dia, que me dirigi ao
Capitão Lalanda Gonçalves dando-lhe conta da minha
pretensão em ir á cidade de Tete.
Lá fui
fazer uma viagem fantástica de machimbombo ( autocarro ) em que
o condutor, pessoa já conhecida, me colocou no lugar
imediatamente a seu lado.Como era habitual em
África, paragens obrigatórias não havia no entanto
o condutor parava em alguns aldeamentos
e apresentáva-me á sua familia com a
expessão -"venha conhecer a minha mulher" e isto aconteceu em
vários aldeamentos por onde passámos,
atitude que nada me surpreendeu.
Chegado a
Tete, ao fim do dia, procurei local para pernoitar e ainda deu tempo
para ir ao cinema.No dia seguinte fui cumprir o meu
objectivo e , com o dinheiro não gasto em
alimentação no Tsangano, comprei cerca de trinta camisas
, de vários números, e um par de sapatos
para mim.Estáva, assim, terminada a minha
segunda viagem a Tete e chegado a Vila Coutinho reuni o pelotão
na parada do quartel e distribui
as camisas, explicando a origem do dinheiro.
Linda-a-Velha,
28 de Outubro de 2010
Jose Fernando Pascoal Monteiro ( Ex Furriel
Miliciano )