Mesmo passados muitos anos, quase
50, os sons de Àfrica, principalmente dos locais
de guerra, nunca serão
esquecidos. Na primeira saída para o mato, a nivel de
pelotão, fomos de
unimog para as àguas
e daqui, em bicha de pirilau, na direcção de
Nancatar. Tudo à nossa volta
era de um verde intenso.
Ouvia-se, perfeitamente, o ruido do vento a bater nas àrvores,
as botas a
pisarem a picada e a total ausência de som das aves.
Perto da ponte houve um rebentamento de um
petardo e a imediata chamada de apoio aéreo.
Pouco depois apareceu um T6,
picou sobre nós e fez duas rajadas nas margens, indo embora a
abanar as
asas.Muito mais vezes ouvi esse som inconfundivel, perfeitamente audivel ao longe.
Nas operações, a nivel de
companhia, recordo-me da ausência de som, nos minutos
imediatamente
antes de entrarmos nas bases, e
já no seu interior o cacarejar das galinhas, perseguidas pelos
nossos companheiros,
na ansia de levar petisco para o
quartel, o som das palhotas queimadas, que algumas vezes pareciam
explosões.
Imediatamente
antes da saída para operações, e ainda no quartel,
lembro-me do burburinho que todos
faziamos com as movimentações na parada para nos
abastecermos de géneros alimenticios ( ração de
combate ) e
muniçoes, tais como cartuchos para a G3 e granadas.O som
caracteristico das Berliets e dos Unimogs, que estavam
à nossa espera, na picada, em frente ao quartel. Subiamos para
os carros e aí notava-se nitidamente a ausência de som.Ninguém falava e todos pensavamos no que estaria à nossa espera.
Nas picadas,
recordo-me dos sons das "costureirinhas" e das "kalaches", do embater
das viaturas umas nas outras, o som das balas a baterem na areia da picada, o som das travagens bruscas.
A total ausência de som, quando tudo
acaba, e nos apercebemos que temos um camarada morto, fruto da
emboscada.
O som da noite
, com as corujas, ou os mochos, o choros dos bébés ou o
uivar das hienas, que nunca os distingui.
O som de
"tropa ué, tropa eú", logo seguido do estampido das
granadas a sairem do tubo, com todos nós a irmos imediatamente para o chão.
O som dos
helis, a chegar e a partir, e finalmente o som da alegria por estarmos
quase a chegar ao quartel, e todos nós retiramos a bala da camara, quase simultaneamente.
Todos estes
sons, que tentei descrever, e muitos mais, que não consegui,
estão gravados na minha
memória e que só serão apagados quando fizer a
grande viagem sem retorno, que espero que demore mais alguns anos.
Linda-a-Velha, Outubro de 2016
José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex-Furriel
Miliciano )