Vou disparar !!!!!!!
Quartel em Mueda, 1967/68. Hoje estou de sargento de dia. Depois do hastear da bandeira
e de conhecer o oficial de dia, voltava ao meu local de dormida para falar com os meu camaradas
de quarto. Já tinha cerca de meio tempo de comissão, já conhecia bem os cantos á casa. Nas refeições
dos praças passava pelo refeitório e se conhecesse o oficial de dia, ia ao seu gabinete para dar " dois
dedos de conversa ". A maior parte do tempo era passado a ler, mais revistas do que livros, muitas delas
já com vários meses de circulação.
No quartel existiam a minha companhia e a CCS, do mesmo batalhão, além do esquadrão de cavalaria,
artilharia e transmissões e fora do quartel existia a aviação, a intendência o pad e a engenharia. Era uma
autentica " cidade " militar.
O tempo sempre muito escuro e por vezes chovia, com alguma intensidade mas por pouco tempo. Estava
deitado na minha cama, quando começo a ouvir o barulho da chuva a cair com bastante intensidade e reparo
que já é de noite - em África a noite " nasce " muito cedo -, aproxima-se a primeira ronda nocturna aos postos
de vigia. Espero que a chuva passe, mas aquilo tinha virado temporal misturada com vento forte.
Inicio a ronda pelo posto junto ao edificio do comando e do campo de futebol, passo, sempre pela esquerda,
para o seguinte, virado para o Vale de Miteda, onde já tive dificuldade em dialogar para identificação, o tempo
agravou-se substancialmente. Continuei, chuva civil não molha militar, - diziam eles na recruta - , passei para
posto que dá para aldeamento. Aqui houve grande dificuldade na minha identificação, o vento, forte, vinha
de frente e conseguia ouvir perfeitamente o sentinela só que este não me ouvia. Sempre a caminhar em direcção
ao posto e já a gritar de repente ouvi "
Vou atirar
". Não queria acreditar, parei imediatamente e quase enterrei
mais as botas no lamaçal. Coloquei o foco da pilha contra a minha cara e ali fiquei, ainda hoje não sei se tremi
por acção do vento, ou do frio, ou mesmo de medo. Já tinha cerca de dois anos de tropa e o vernáculo militar
bastante aumentado. Nesse breve espaço de tempo comecei a pensar.
- Já não me bastam as picadas e as operações, agora vem um sacana que diz que vai disparar.
- Havia luz em todos os postos e mesmo entre eles projectores em direcção á mata.
Estava nestes pensamentos quando vejo alguém começar a descer a escada e com gestos de me mandar
avançar. Subi ao posto e começou o dialogo:
- Quem está de vigia, perguntei.
- Eu.
- Então, meu grande sacana, ias disparar para alguém que estava no interior do quartel????
- Não vi quem era, respondeu-me.
- Quem é o responsavel pelo posto????
- Eu e esse gajo é checa está com muito medo e está sempre a dizer que vê gente a aproximar-se do
arame farpado. Nós bem lhe dizemos que são animais mas ele não acredita.
Voltei-me novamente para quem estava de vigia e perguntei-lhe.
- Qual a tua companhia????
- Sou de artilharia, repondeu-me.
- Então sabes bem que é o Capitão Gaspar e já ouviste falar dele, apesar de seres checa.
- Sim, já o vi e contaram-me algumas histórias sobre ele, respondeu o checa.
- Então vamos faser assim, esta noite ficas sempre acordado e fazes todos os turnos juntamente
com o teu camarada de vigia. Vou passando por aqui e se estiveres a dormir, mesmo que seja o
turno de um dos teus camaradas, entrego a participação ao oficial de dia com conhecimento
ao Capitão Gaspar. Pergunta aos teus camaradas o que o Capitão Gaspar faz ás participações,
elas nunca vão para a caderneta militar.
Continuei , de tempos a tempos, a fazer a ronda pelos postos de vigia. Sempre encotrei o checa
e outro camarada de vigia. Ainda bem.
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