R E C O R D A N D O
Recordo-me de ir no comboio do Barreiro para Tavira juntamente com muitos jovens
da minha idade e de ali ter combinado, com mais tres deles, alugarmos um quarto.
Recordo-me da brutalidade e selvejaria do alferes Arnedo, que me deu uma estalada/murro,
pelo simples facto de estar distraido e de não ouvir uma das ordens unidas do aluno de dia.Recordo-me
dos meus sentimentos de revolta e da irracionalidade que me passou pelo pensamento.
Recordo-me da minha chegada á EPI em Mafra e de ali, juntamente com um alferes do quadro,
dar recruta a um pelotão do COM.Recordo-me de nesse quartel receber,das mãos do capitão da
compamhia, a ordem de mobilização juntamente com a licença de tres dias e algum dinheiro para
comprar fardamento militar.Recordo-me de chegar a casa e vêr a minha mãe lavada em lágrimas
e do meu pai cabisbaixo por saberem que eu já estava mobilizado, noticia entretanto dada por
um primo, que eu encontrei nos transportes públicos.
Recordo-me de fazer a viagem até á Régua e daqui, em via estreita, até Chaves, viagem maravilhosa
através do serpentear das montanhas, que o comboio fazia a baixa velocidade.
Recordo-me de ter ido para o curso de minas e armadilhas em Tancos e aí ter encontrado o meu amigo
de infância Fernando Manuel da Silva Santos, que também estava mobilizado mas para a provincie de
Angola.Recordo-me de ir passar o último fim de semana a casa dos meus pais, e da terrivel despedida.
Recordo-me da ida para Vila Real e daqui para Lisboa.
Recordo-me da saida do barco do cais e da despedida emocionante.Recordo-me dos meus pais não
encontrarem coragem para a despedida, o que compreendi e aceitei completamente.
Recordo-me da saida,lenta, do barco e da sua entrada em mar aberto.Recordo-me da primeira
refeição a bordo, o pequeno almoço.Recordo-me de muitas noites a bordo e da passagem pelo
equador.Recordo-me da primeira paragem no porto de Luanda e com alguns aligos almoçarmos frango
á cafreal,num restaurante da cidade.Recordo-me de ter gostado do ambiente e da cidade.
Recordo-me de passar do Atlantico para o Índico, através do Cabo e de me ter lembrado da epopeia
dos nossos antigos navegadores.
Recordo-me do desembarque em Lourenço Marques e do desfile do batalhão.Recordo-me da subida
da costa Moçambicana até Mocimboa da Praia, onde desembarcámos.
Recordo-me da entrada na picada e do batalhão se dividir por Diaca ( 1711 ), Sagal ( 1712 ) e finalmente
Mueda, onde ficaram ( CCS e 1710 ).
Recordo-me da primeira vêz que sai para o mato e das muitas operações que fiz.Recordo-me dos locais
e das circunstâncias em que perdi companheiros.Recordo-me do tempo de férias em Nampula, com o meu
amigo e camarada Lemos e do alivio que senti.Recordo-me da viagem de comboio para visitar a Ilha de
Moçambique.Recordo-me do regresso via Porto Amélia e desta localidade para Mueda, regressando
novamente ás operações no Vale de Miteda e no Planalto dos Macondes.Recordo-me das festas de
aniversários, de sargentos e oficiais, feitas na secretaria da companhia.Recordo-me de todos os camaradas
e amigos que compartilhavam comigo a flat Nº 2, a mais conhecida e movimentada de Mueda, pelas
suas festas e convidados.
Recordo-me das colunas de hunimogs,berliets e carros de combate do esquafrão de cavalaria, estarem
perfilados em frente ao quartel para a nossa última operação e o nosso comandante Lalanda Gonçalves
nos dar algumas palavras de animo, reforçadas na convicção do nosso regresso.
Recordo-me das águas e de existir no seu perimetro bunkers feitos de terra e madeira, onde se dormia
e fazia segurança, da sua piscina improvisada que nos ajudava na fase de grande calor.
Recordo-me do aquartelamento de Mueda ser atacado pelos guerrilheiros da Frelimo e que foram
lançadas algumas morteiradas que, felizmente, não provocaram ferimentos.Recordo-me do barulho
dos helicopteros na sua passagem para o hospital.Recordo-me da queda do avião Dakota, da divisão
de fotografia aérea, que caiu no perimetro de Mueda, nas imediações dos correios.
Recordo-me, finalmente, da imensa coluna que se formou em frente ao quartel, dos seu frenesim
e dos rostos de todos nós, felizes concerteza pela nossa saida de Mueda, rumo a Mocimboa da
Praia , passando pelo Sagal e Diaca, onde abraçámos de novo os nossos camaradas do nosso batalhão.
José Monteiro ( Ex-Furriel Miliciano )
Linda-a-Velha, Novembro de 2012
Regressar á primeira página