Passados 42 anos recordo-me perfeitamente de ti, Mueda.Sei bem que essa recordação já não é tão
nitida, no entanto os factos marcantes estão todos gravados.
Recordo-me do
primeiro encontro contigo, em que havia uma recepção dos
mais velhos combatentes, com
cartazes a chamarem-nos
"CHECAS".Recordo-me da paragem da nossa coluna militar e da nossa
entrada, a pé, no
quartel.Recordo-me da minha
"flat" e de todos os camaradas que a ocupavam e das inesqueciveis
festas ali realizadas.
Recordo-me que
eras uma autentica "cidade" militar, pois tinhas todos os intrumentos
para alimentar a
máquina de guerra. Tinhas
tropas de Infantaria, Engenharia, Cavalaria,
Aviação, Comandos, Páras e Fuzileiros.
Tudo tu tinhas, até um aldeamento civil, junto ao quartel.
Recordo-me da primeira saída para o mato e da tensão que isso provocou.Recordo-me das várias
operações militares
que realizei e das emboscadas que sofri.Recordo-me dos silvos da balas
a passarem demasiado
perto e da queda dos ramos de
arvores.Recordo-me do barulho provocado pelo embate das viaturas umas
nas outras,
logo após o inicio da
emboscada.Recordo-me da progressão penosa a corta mato, aberto a
catanada, para evitarmos
os trilhos, que seria muito mais
perigoso.Recordo-me dos "ataques" do terrivel feijão macaco, das
mordidelas das
formigas, que quando eram arrancadas se separávam do corpo.
Recordo-me das noites, nunca dormidas, passadas no
Vale de Miteda e mesmo a grande distancia, ouvir
o teu fervilhar com entrada e
saida de viaturas.Recordo-me das armadilhas que montei, com a ajuda do
sempre presente
Vilas Boas, e das suas
consequências. Recordo-me do meu pelotão ir para o
destacamento das águas e passar, á
esquerda, pelo destacamento dos
cães de guerra, onde nunca era montada guarda e nunca
existiam guaritas.Recordo-me dos
locais e das circunstâncias em
que perdi companheiros.Recordo-me da coluna de hunimogs, berliets e carros de
combate
de cavalaria, estarem perfilados em frente ao quartel para a
nossa última operação e do nosso comandante Lalanda
Gonçalves
nos dar algumas palavras de animo, reforçadas
na convicção do nosso regresso e da pronta resposta do Furriel Valério Pereira.
Recordo-me do
aquartelamento de Mueda sêr atacado pelos guerrilheiros da
Frelimo e que foram por eles
lançadas algumas
morteiradas que, felizmente, não provocaram
ferimentos.Recordo-me do barulho dos helicóteros na sua
passagem para o
hospital.Recordo-me de um avião Dakota, da
divisão de fotografia aérea, que caiu nos limites de
Mueda.Recordo-me de sair do
aquartelamento ao entardecer, para me juntar a uma companhia de
paraquedistas e assim
fazer um assalto a uma base da
Frelimo, que não chegou a acontecer pois, após andar toda
a noite, ao amanhecer
chegámos á
conclusão que tinhamos sido enganados pela prisioneira que
connosco ia, terminando aí a operação.
Recordo-me de têr abandonado Mueda, para ir de
férias para Nampula, e que o fiz com bastante entusiasmo
e contentamento, na companhia do
meu amigo Lemos.Recordo o meu regresso, via Porto Amélia e da
rápida integração
na máquina de
guerra.Recordo-me de mais uma operação, perto de Nangololo, em que fomos atacados por um enxame
de abelhas provocando forte
dispersão de combatentes e evaquação de alguns
deles.
Recordo-me, finalmente, do dia em que abandonei
Mueda, para novamente fazer a picada para Mocimboa
da Praia e apanhar o Império.
Linda-a-Velha, Novembro de 2010
José Fernando Pascoal
Monteiro ( Ex- Furriel Miliciano )