
Quem não recorda não vive
Mueda, 1967/68, a primeira festa
Acordei com um forte
abanão e vi na minha frente o Ribeiro, vaguemestre.
O que queres, perguntei-lhe.
- Vem comigo
á Intendência que logo á noite vamos fazer uma
pequena festa e quero comprar
umas cervejolas.
Vai para o
caraças, deixa-me dormir, vim do mato e só acordo para
almoçar e depois vamos lá.
- Estes, os do
gatilho, só querem dormir, respondeu o especialista.
Onde dormia deram-lhe um nome pomposo " Flat ", no
entanto não passava de uma pequena
caserna onde
estavam sete, quatro na primeira divisão e os restantes na
segunda mais uma casa de banho,
com
aquecimento solar vindo de um bidão colocado
no telhado.
Depois do almoço ajudei o
meu amigo Ribeiro e fomos á Intendência comprar as
cervejas,
a messe
de sargentos ia fornecendo o gelo, que colocamos num barril na parte
mais fresca, a casa
de banho.
Meti-me novamente na cama a descansar as pernas, que bem precisavam.
Depois do jantar, que em
África é muito cedo, tal como o principio da noite, os
meninos
do primeiro
quarto começam a sobrepor as camas, para assim haver mais
espaço. Aparecem dois convidados,
que mais tarde
se tornaram permanentes, mais o artista, que muitas vezes foi
convidado, ou convocado, o
Afonso, do Pad
ou da Intendência, que já não me lembro exactamente
de onde era.
Tinhamos um artista residente, o
Adolfo, mais outro especialista, este de transmissões, que
iniciava
sempre o " espectáculo ", mas só depois do Ribeiro, e era
sempre ele, que dizia " Adolfo canta-nos
um faducho. As
cevejolas, muitas, já estavam na mesa, que tapavam o
tampo, para refrescar as gargantas
sempre
sequiosas. Eu e o Zé Ferreira eramos quem abastecia a mesa,
íamos ao barril e mergulhávamos o
braço
á procura das cervejolas enquanto o próximo artista , o
Afonso, iniciava a sua atuação com viola e
voz. " Povo
que lavas no rio ", " O meu menino é d'oiro " e " Eles
comem tudo, eles comem tudo ", quando
alguém
lá do fundo diz " Cuidado que a Pide mora no fundo da
picada ", gargalhada geral, eramos
muito novos e não sabiamos muito bem o aquilo era.
A noite já ia alta quando
alguém aparece na porta, era o sargento de dia, que nos diz
que o oficial
de dia lhe disse que estavamos a fazer muito barulho, então
houve um pequeno dialogo.
- Quem conhece
este gajo, pergunta alguém, já com a voz um pouco
arrastada.
- Respondeu rápidamente o
sargento e dia, que tinha chegado há cerca de dois dias, que
pertencia
á artilharia e que o tinham colocado de serviço. Levou
como resposta;
- Entras e bebes connosco ou
então vai cagar obuses e dá volta ás vigias.
-Por mim, que " estava um pouco
mal disposto ", deitei-me na minha cama e ainda
ouvi a
última canção, que passou a obrigatória, "
Mueda terra da guerra ".
No outro dia levantei-me com
dificuldade e com a boca a saber mal. Foi assim
a nossa primeira festa, muitas se seguiram.
Ali viveram, além de mim,
o Zé Ferreira, o Adolfo Ferreira, o Francisco Ribeiro,
o Artur
Andrade, o Eurico Oliveira e o Valério Pereira. Alguns,
infelizmente, já não estão
presentes, mas continuam sempre vivos na nossa memória.