Medo
Sim, eu tive medo quando entrei pela primeira vêz , em Mocimboa da Praia , numa picada.
Nunca tinha visto uma "estrada" daquelas, com o arvoredo denso a querer tapar a picada.
Iamos como sardinhas em lata, compactos, encostadinhos uns aos outros, com a G3 apontada
para o mato, como se alguém estivesse a quer atacar-nos naquele momento.
Tive medo na primeira saída , em patrulha, para a picada de Nancatar e logo a seguir á ponte,
próximo das águas, rebentou um petardo debaixo dos pés, que me fez correr para o interior da
mata, com as pernas dormentes pelo efeito da explosão.
Tive medo quando ao regressar a Mueda, vindo de Mocimboa do Rovuma, sofremos uma
emboscada, ficando no limite da zona de morte.Aí, e pela primeira vêz, senti o coração quase
a saltar fora da caixa, quando cairam, nas minhas costas, alguns arbustos cortados pelas rajadas
do fogo inimigo.
Tive medo quando, a caminho para socorrer o quartel de Nancatar, sofremos uma violentissima
emboscada e ainda hoje tenho presente o som das PPSH (costureirinhas ).
Tive medo quando ouvia, no quartel, os heli passarem para o hospital, pois sabia que tinha havido
problemas e que alguém estáva a necessitar de socorro rápido.
Sempre tive medo, mas era uma medo racional, que nunca me levou a tomar atitudes tresloucadas.
Apesar disso nunca falhei a uma operação que me estivesse destinada, pois sabia que alguém teria
que ir no meu lugar e isso nunca admitiria.
Tive medo sim, mas nunca acreditei em herois, pois esses acontecem, muitas vezes, em situações limite e
em desespero.
O medo desaparecia sempre ao chegar ao quartel.Aqui eramos sempre bem recebidos e lavavamo-nos
por dentro e por fora. Por fora,com um duche retemperador e por dentro, com uma basuca, bem fresquinha,
para lavar a garganta.
Linda-a-Velha, Agosto de 2013
José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex Furriel Miliciano )
Voltar ao cantinho do Monteiro