O amigo certo nas horas incertas

                Águas de Mueda, 1967/68. Já estou a meio da comissão, já conheço bem este local mas hoje estou em baixo,

    passei o dia a dar a volta ao circulo e olhar muito para o denso matagal exterior junto à vedação, e também para

    porta de entrada, que não passa de um largo cavalete enrolado a arame farpado. A casa das máquinas , que bombeia

    a água para a Vila de Mueda, parou e finalmente há algum sossego por aqui. Sento-me,  encosto as costas a uma parede

    e tiro o maço de LM do bolso do Dolmen, acendo o cigarro, com o isqueiro a gasolina da tropa, e inspiro longamente.

    Que prazer, lembro-me das caminhadas pelo mato e das paragens para descansar e comer alguma coisa, seguidas sempre

    pelo meu suave LM. Lembrei-me de uma vez,  que choveu imenso e durante muito tempo, e quando precisei dele estava

    todo desfeito e tive que recorrer à crava. Essa situação nunca mais aconteceu, pois passei a proteger o precioso amigo,

    no interior de um pequeno saco de plastico.

                    A noite aproxima-se e  como hoje não me apetece dar uma volta pelos Bunkers, meto-me na casa dos ratos. Aparece,

    como costume, o José Duarte que faz equipa com o Alves, sendo a outra equipa composta por mim e pelo Alferes Coelho,

     o Coelhinho, forma carinhosa como eu e o Alves nos referiamos a ele. O Coelhinho era um fumador inveterado, cigarro apagado

    cigarro aceso. Invariavelmente o jogo não passava do  King e pelo Sueca. Sei bem que a minha equipa não era muito experiente

    em tais jogos, perdiamos algumas vezes, muitas,  ou, também, os deixavamos ganhar porque o Alves não gostava de perder, nem a feijões,

    e o José Duarte ia pelo mesmo. Acabado o jogo, sai da casa dos ratos, descalcei  as botas e sentei-me em cima de um pedra, que

    havia no inicio da piscina, puxei pelo meu LM e contemplei o céu estrelado. Além do barulho das corujas, ou mochos, das hienas,

    o silênco ajudou-me no meu acto contemplativo. Como a diferença horária entre Moçambique e Portugal era muito pouca,

    pensei que estaria na minha cama, na casa dos meus Pais, a dormir depois depois de um bom banho e com lençóis limpos.

                Devo ainda ter fumado mais um LM, antes de me meter, finalmente, na cama.

                                Linda-a-Velha, Agosto de 2020

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