Embarque
Vila Real, 12 de Abril de 1967
Quartel em Vila Real. Ainda é noite, mas há o toque para acordar e hoje não posso ficar na cama.
Levanto-me, com cara de poucos amigos, cabisbaixo, triste e sem conversas com ninguém, dirijo-me para
a messe onde tomo o pequeno almoço. Dirijo-me novamente à pequena caserna onde dormi, agarro na mala
que comprei no Casão Militar, e nosaco de lona que me foi distribuido e junto-me ao meu pelotão. Há um
silêncio quase total, não há brincadeiras, não há ditos entre camaradas, estamos a interiorizar a viagem.
Já estamos no comboio e sentei-me junto a uma janela no lado esquerdo. Entramos na planicie a todo
o vapor, com os campos verdejantes. Já há um pouco de dialogo entre nós, o ambiente humano vai descontraindo-se.
Sempre gostei muito deste trajecto -a linha do Corgo - entre Régua e Chaves. Começamos a subir e este cavalo
de ferro, a vapor, parece que vai um pouco cansado e a arfar. Esta parte do percurso é espéctacular, com os
vinhedos já a rebentar e a lentidão é tal que quase dá para sair. A fuligem expelida da locomotiva a vapor,
por vezes entrava na carruagem e ficávamos ligeiramente sujos de negro.
Chegamos à Régua e mudamos de comboio para via larga. A comodidade já é muito melhor e
a viagem muito mais rápida.
Chegamos a Santa Apolónia, espera-nos autocarros de primeiro andar, os chamados Ingleses, mas
de cor verde. Passamos pela Praça do Comércio, Cais do Sodré, Praça da Ribeira, locais por onde andei
e chegamos ao final do percurso, Rocha Conde de Óbidos. O batalhão forma para nos darem o local
onde vamos " viver " durante cerca de um mês. Pego na mala e no saco e entro no mostrengo do Niassa,
e coloco na cabine que me está destinada, duas camas de primeiro andar, cabendo-me a de cima.
Novamente para fora do barco, ainda com tempo para me despedir dos familiares e amigos.
Os meus Pais não estão, como os compreendo perfeitamente, a dor é demasiado para enfrentarem
uma nova despedida. Beijos e longos e fortes abraços aos presentes, sempre com a esperança do meu
regresso. Novamente a formar para o desfile final, ao som do hino Nacional, e embarque definitivo
no Niassa. Grande parte juntou-se no estibordo do barco, juro que ele se inclinou um pouco ou seria
eu que me queria inclinar para fora dele. Afastamo-nos lentamente a olhar para aquela multidão
com os lenços a acenar. Dizem, estupidamente, que o homem não chora, chora sim, chora por angustia,
chora por revolta, chora por raiva. É um sentimento humano. A palavra mais ouvida a bordo é - MÃE -.
Já vamos a navegar e continuo a olhar para a " minha " marginal ". Com alguns camaradas
vou tomar o pequeno almoço, que o estomago já está a avisar. Para surpresa apresentam um pequeno
prato de arroz com salsichas ( ou terá sido ovos mexidos com salsichas ) , café leite e manteiga. Perante
a nossa surpresa o tripulante diz-nos que " é mata-bicho de garfo " porque em Moçambique é habito,
influência Inglesa.
Até ao meu regresso.
Linda-a-Velha, abril de 2020
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