Dá no gajo........

        Mais uma " viagem " para o sitio do costume, Vale de Miteda. Já
    não era checa, já estava habituado
aquelas andanças, ao terreno, ao sobe
    e desce, ao calor e á chuva. Desta vez é uma nomadização de 3/4 dias para
    marcar presença militar e observar umas machambas, vistas por fotografia
    aérea.Dois pelotões, o meu e do meu amigo António Mateus.
            Já vamos no segundo dia, tudo corre normalmente, os pelotões
    sucedessem-se na frente da coluna  e dentro destes as secções, para assim 
    não sobrecarregar sempre os mesmos combatentes. Saímos da protecção da mata
    cerrada, passamos para a zona do capim que naquela época estava bastante
    seco, continuamos a caminhada, agora com muito mais cuidado e aumentando a
    distância entre cada um de nós. Passamos por um pequeno riacho que aproveitamos
    para encher os cantis.Pouco tempo depois deparamos com uma machamba de milho,
    recebemos a ordem para a contornar e parar numa pequena elevação não muito
    longe do local. Tínhamos uma excelente observação sobre o pequeno Vale onde
    se situava a machamba e estávamos protegidos pela altura do capim. Onde havia
    machambas tinha que haver população, só que muitas vezes não havia contacto.
        Eu, que nunca tive muita paciência para esperar no mesmo local, comecei
    a deslocar-me para a frente da coluna onde encontro o meu amigo António
    Mateus junto a um pequeno arbusto dizendo-me para olhar para a direcção do
    pequeno trilho que se observava ao longe.Mesmo á distância observam-se pequenos
    vultos que não dava para distinguir a quantidade.Continuamos, sempre protegidos
    pelo capim, a observar a aproximação e já distinguimos perfeitamente que eram
    cerca de seis mulheres e um homem, que iam á água pois elas traziam as
    tradicionais vasilhas. Já estavam muito próximos, ouvindo-se nitidamente as
    risadas entre eles. Digo para o Mateus, " Eh pá dá no gajo ", e o meu amigo
    coloca a G3 e faz pontaria. Demora algum tempo, levando a dizer-lhe " Deixa que
    sou eu a dar no gajo ". Levanto a arma e aponto-a para  o seu peito, pois já
    estavam mesmo muito perto. Não sei se foi hesitação se foi tempo que demorei,
    pois de repente fugiram para o meio da machamba, provavelmente apercebendo-se
    que estavam a ser observados.
         Confirmamos que havia uma machamba, que havia população e provavelmente
    deveria haver alguma base da Frelimo por perto.
         Regressamos ao quartel e cada um foi para os seu aposentos, a flat do
    Mateus era nas trazeiras da minha.
         No dia seguinte encontrámo-nos e o assunto regressou, dizendo-me ele
    com a sua voz calma; " Eh pá, eles não vinham armados ".
         É verdade, meu amigo António Augusto Coelho Mateus, eles não vinham
    armados, fizemos bem, hesitamos, coisa pouco comum na nossa vida de militares.

                        Linda-a-Velha, no confinamento de 2021


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