Os cheiros
Naquele dia 11 de Janeiro de 1966, em Tavira, com a entrega do
fardamento, aquele cheiro " militar " apoderou-se de mim durante
três anos e meio. Os poucos fins de semana não chegaram para retirar
o novo cheiro da roupa militar, a que me ia habituando.
Retenho ainda bem presente o cheiro a peixe frito, ou mal fritado,
durante a recruta e a especialidade. Quando acabei o curso e cheguei
a Mafra, retive o cheiro a comida humana, que não sendo o cheiro da
comida da minha MÃE, já melhorou imenso.
Já mobilizado para Chaves, o cheiro da comida era aceitavel
para os padrões militares e foi aqui que provei pela primeira vez alheira
com batatas fritas e ovo, fiquei cliente.
No embarque para Moçambique, no Niassa, quase todos os dias havia
cheiros a vomitado. Quando o mar estava " chão ", aspirava os vários
cheiros vindos do mar. Não me esqueço, quando estive de sargento de dia,
do cheiro nauseabundo, provavelmente uma mistura de vomitado e suor, nos
porões onde os meus camaradas se amontoavam, era desumano.
Na primeira paragem, em Luanda, iniciei-me nos cheiros da comida picante,
com um frango á cafreal e cervejola, muita.
Continuando no Índico saimos em Mocimboa da Praia. Foi verdadeiramente
aqui que os cheiros Africanos entraram em mim ao percorrer a picada até Mueda,
destino final. Aquele cheiro da terra vermelha, o cheiro do capim e um novo cheiro,
o do medo, pois já trazia a cabeça cheia, dada pelos cocuanas, sobre aquela picada.
Foi aqui, que pela primeira vez, a comer a ração de combate, constatei a ausência
de cheiro, que mais tarde mudei de opinião, especialmente quando a fome atacava.
Experimentei novos cheiros, o das noites no mato, olhando para as estrelas, o
cheiro de um casqueiro, acabado de sair do forno, quando regressava ao quartel,
o cheiro de uma cama lavada, depois de um banho makonde, o cheiro a pólvora
misturado com o cheiro do medo, durante as emboscadas que sofri, o cheiro á
morte quando um camarada sucumbia, fruto da acção do inimigo.
O cheiro rejuvenescedor e macio..... de uma visita ao aldeamento.
Todos esses cheirso, e muitos mais que não consegui descrever, continuam
gravados para não mais esquecer.