O meu amigo Alves

            Conheci o Francisco Correia Alves em Chaves, na  formação do  batalhão. O meu pelotão

    era constituido pelo Alferes, por mim e mais dois sargentos. Como em cada pelotão tinha que haver

    um especialista em minas e armadilhas, lá fui eu o " escolhido " com mais camaradas e seguimos para

    Tancos, não tendo havido grandes contactos com o meu amigo Alves e com os outros que ficaram em Chaves.

    Terminado o curso regressamos a Chaves a tempo de integrarmos o IAO. Como a máquina de guerra precisava

    de ser alimentada, outro batalhão se aproxima e enviaram-nos para Vila Real à espera de embarque.

            Chegou o dia de apanhar o comboio e rumarmos à Rocha Conde de Óbidos , onde nos esperava o Niassa.

    Distribuiram-nos os camarotes, duas camas de primeiro andar, e foi aqui que a minha amizade com o Alves

    verdadeiramente começou. Aquele magricela, ainda mais magrinho que eu, tinha levado bacalhau seco desfiado,

    que dizia ser  contra o enjoo. Todos enjoamos , uns mais que outros, só que o bacalhau deixou o ar empestado e

    carregado e protestamos contra o cheiro.

            Chegamos a Mueda e como os dois sargentos do meu pelotão foram distribuidos para outros serviços, o

    Alves veio para o meu  pelotão, vindo de um que tinha três Furrieis. Se a minha amizade tinha começado no

    barco,  foi aqui que ela verdadeiramente se reforçou
.

        Morava na parte traseira do edificio dos sargentos e muitas vezes, à noite ou em dias de chuva, ia lá para

    dar dois dedos de conversa e trocar revistas e livros, alguns já lidos pela segunda vez.

                        Regressados a Portugal cada um tentou refazer a sua vida e passados alguns anos, não muitos, recebi um

    telefonema na empresa onde sempre trabalhei e ficamos de nos encontrar numa próxima viajem minha pelo Norte.

    Assim aconteceu, já ambos estavamos casados e com filhos,  quando me recebeu em sua casa, em Gondomar. Houve

    novo recomeço da amizade com visitas a casa de cada um. Falavamos frequentemente por telefone e cada um

    contava as suas maleitas provocada pela idade.

                   
Quando nos encontravamos em Chaves, na reunião anual do batalhão, reviviamos, sempre com muito

    entusiasmo, o tempo passado em Moçambique.


            No principio deste ano, 2020, comunicou-me que lhe tinha surgido um problema grave mas que o iria

    ultrapassar. Todos os meses falavamos, pois os tratamentos eram mensais. Após o último tratamento disse-me , todo

    contente, que o médico lhe tinha dito que tudo tinha corrido bem , que as idas ao hospital passariam a ser mais

    esporádicas e que o mesmo médico lhe disse que desse problema não morreria. Demos um grande abraço pelo telefone.

            No passado mês de Julho recebi um telefonema da sua filha mais nova, fiquei alarmado e interrompi a conversa

    de imediato perguntando o que se passava. Recebi a noticia com um forte murro no estomago, o Alves, o meus amigo

    Alves sentiu-se mal e foi para o hospital e ali foi vencido por uma miserável  bactéria hospitalar multiresistente.

            Ele que não tinha sido vencido pela guerra, pelas emboscadas e pelas balas, foi vencido por uma bactéria.

            Os amigos, especialmente aqueles que viveram aquele terrivel período da nossa juventude, nunca morrem,

    vão andando por aí, vamos falando deles e vamos sempre contando os acontecimentos que vivemos.

            Eu, o José Duarte, o Boaventura Gaspar e o Carlos Pacheco fomos a Gondomar, pois os amigos nunca

    se esquecem.

            Até sempre, meu amigo Alves.

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