O Alferes Coelho
João Augusto Sousa Coelho, Alferes Miliciano, foi o oficial do meu pelotão que
tinha como responsaveis de secções, eu, o Sargento Cruz e o Sargento Pinto, organica esta no papel,
pois quando chegamos a Mueda tudo se alterou. O Sargento Pinto ficou como responsável do armazém
de material de guerra, e por ali ficou, o Sargento Cruz também ficou " encostado " a fazer as faltas
do meu grupo de combate. Das três secções o Alferes Coelho ficou com uma , eu com a outra e veio
o Furriel Alves de um pelotão que estava completo.
O Alferes Coelho, fumador inveterado, quase do género de cigarro atrás de cigarro, era um homem
calmo, de muito poucas falas, não existindo grandes problemas com o seu comando, sempre que dava
uma ordem sempre foi prontamente obedecido. Muitas vezes se
" esquecia " , antes da saida para operações, de
comunicar o local e o objectivo , no fundo de reunir o grupo
e de explanar a ordem de operações,
coisa que eu e o Alves muitas vezes tinhamos que o lembrar.
Em Junho de 1968, finalmente, saimos de Mueda com destino a Vila Coutinho, no planalto de Angónia,
Tete. Aqui a companhia ficou completamente dividida, ficando no quartel , num dos extremos da Vila, dois
pelotões, um pelotão no Tsangano, fronteira com o Malawi, e o outro no Dómué. Os oficiais , o Capitão e
dois Alferes, ficaram numa vivenda fora do centro e os Furrieis num anexo do Hotel, no centro da Vila.
Permanentemente no quartel raramente estavam dois pelotões completos, pois havia muitas vezes duas
secções a sairem por vários dias para fazerem nomadizações. A zona, nessa época, era muito calma e na Vila
todos andamos sem arma.O Capitão, os Sargentos e os Furrieis especialistas iam todos os dias ao quartel, os
outros, como era o meu caso, apenas iamos em dia de serviço, passando o tempo na esplanada do Sr. Correia,
ou indo á caça com o filho dele, para arranjar qualquer coisa para acompanhar as cervejolas.
Penso que aconteceu uma única vez, estava eu de Sargento de dia e o Alferes Coelho de Oficial de dia.
Estava de camuflado, que era o uniforme mais utilizado por todos, por ser o mais prático. Todos no quartel
sempre andamos sem preocupações de bem uniformizar, uns utilizavam calções outros camuflados e,
lembro-me, que alguns mecanicos, que eram os que mais trabalhavam, andavam de chinelos.
Por ordem do Alferes Coelho, o Raposo, corneteiro que infelizmente nos deixou o mês passado, toca
para o almoço. A companhia forma, vejo que está todo o pessoal pronto, dirigo-me ao Alferes, faço a
respectiva continência, e digo que a companhia está pronta, obtendo como resposta " A Companhia não
pode estar pronta pois há militares que não estão devidamente uniformizados ". Recebi um autêntico soco,
não queria acreditar naquilo, nunca tinha acontecido e muito menos com o Alferes Coelho. Voltei para trás
e disse aos camaradas que estavam sem quico para o irem buscar e colocar, pois era a único elemento, que
na minha opinião, faltava. Novamente apresentei a companhia, mas imediatamente reparei que o Alferes
não tinha a boina colocada e acto imediado tirei o meu quico e disse novamente que a companhia está pronta.
obtive como resposta :
-
A Companhia está, mas o Furriel Monteiro não está e vai colocar o quico.
- A Alferes também lhe falta a boina, estamos em igualdade de circunstâncias.
- Não estamos não, por mim estou no interior de um edificio e posso estar assim, o Furriel está no exterior.
Ele tinha , de facto, razão militar. voltei a colocar o quico e finalmente todos fomos almoçar. Todos
estranhamos a atitude, no entanto as ordens militares são para cumprir e foram cumpridas.
Esquecer não esqueci. Pedi que me levassem onde dormia, e troquei o camuflado pela farda número dois.
Cerca de duas horas antes do toque para o jantar, fui dizer aos mecanicos e a alguns motoristas para só irem jantar
cerca de meia hora depois do toque para a formatura e comuniquei aos restantes camaradas que a farda seria a número
dois, não esquecendo a camisa e a gravata.
O Raposo toca para a formatura e a Companhia ( Um pelotão e pouco mais ) apresenta-se toda uniformizada e
de botas. O Alferes Coelho estava no mesmo local, no interior do edificio, e digo o costume nessas circunstâncias :
- A Companhia está pronta, seguindo-se continência militar.
- Aceito a Companhia, mande entrar os homens.
Passado cerca de quinze minutos, caminhou para a saída e ao passar por mim disse qualquer coisa,
que já não preciso, mas que foi qualquer coisa do género:
- Mas que merda foi esta?????, aquilo da hora do almoço já passou!!!!!!
Nota: - Sempre tive um optimo relacionamento com o Alferes Coelho, sempre nos respeitamos mutuamente.
O pequeno episódio contado, é apenas isso, um pequeno espisódio de dois anos de relacionamento.
Linda-a-Velha, Janeiro de 2018
José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex- Furriel Miliciano )
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