A guerra
Todos nós, que fizemos o serviço militar entre 1961 e 1974, e que estivemos nas antigas Provincias
Ultramarinas, praticamos actos, ou observamos, que em condições normais não praticariamos ou não eram
observados.O simples facto de haver guerra, transforma o ser humano, torna-o agressivo, molda-o e acentua-lhe
a irracionalidade, a superioridade perante o adversário quando faz dele prisioneiro. Quando um dos nossos morre,
passamos fácilmente a linha que nos torna quase selvagens e o odio facilmente aparece.
Actos de irracionalidade foram praticados nas nossas três frentes de combate, tal como foi desumano chamarem-nos
para defendermos, aquilo que mais tarde concluimos, que não tinha defesa possivel.
Sem guerra, não seria normal colocar uma granada defensiva no meio de inimigos mortos, para que provocasse mais
mortes, quando viessem procurar pelos corpos.Sem guerra, não seria normal, que perante um corpo de um guerrilheiro
acabado de morrer, retiraram as botas e lhe defecam em cima. Sem guerra, não tinham morto uma criança, com uma
catana, apenas com o argumento de que mais tarde seria um " turra ". Sem guerra, ninguém tinha abusado sexualmente
de uma prisioneira, e muito menos já em avançada idade. Sem guerra, não teria havido tantos a invocar o nome " MÃE ",
em muitas situaçõs já a última palavra a pronunciarem. Sem guerra, não teriam por lá ficado cerca de 9.000 dos nossos
camaradas, que viram interrompidos para sempre os melhores anos da vida. Sem guerra, muitos , da nossa geração, não
teriam vindo com graves problemas físicos e psicológicos.Sem guerra, o soldado não teria perguntado ao graduado
do pelotão, " O que faço com ele " e não teria ouvido a resposta " Da-lhe um tiro ", tiro esse que ainda hoje, passados
cinquenta anos, ainda é ouvido pelo ex-graduado.
A guerra não é apenas a ausência de paz, a guerra modifica o ser humano.
Os que regressaram, regressaram modificados, todos nós.
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