As águas de Mueda, localizavam-se muito perto desta vila, na picada para Nancatar,
imediatamente depois da perigosa descida e logo quando se entrava na região plana, á direita,
saindo um pouco da picada, aí estava a nossa " estância termal " . Ali ficava um pelotão
da companhia operacional de Mueda, que regularmente iam trocando entre si. Era um circulo
com cerca de 100 metros de raio.Havia apenas dois edificios de alvenaria, cobertos com
fibrocimento, a casa das maquinas, que fazia a bombagem de água para o depósito em Mueda,
que depois
abastecia os fontanários do aldeamento e as
instalações militares, a chamada casa dos
ratos, onde dormiam o radiotelegrafista e mais dois Furrieis ou um Furriel e o Alferes, local
que também servia de depósito de alimentos. Os restantes camaradas do pelotão ficavam
divididos por cerca de três ou quatro " bunkers " subterraneos suportados por grandes
troncos de
madeira e compactados com terra. A ventilação era feita
pela entrada, onde não
existia porta.
Todo o circulo, á excepção, da
entrada, virada para a picada, era rodeado de duplo arame
farpado, protegido por minas e armadilhas. O mato era muito compacto, o que tornava qualquer tentativa de
ataque quase infrutifera, a não ser por
armamento de tiro curvo. A entrada, a menos protegida, era feita de
arame farpado que se podia mover para entrada e saida de viaturas.
O interior estava sempre desmatado e havia meia
duzia de árvores. A piscina, construida
por aqueles que nos antecederam, era um local por onde todos nós passavamos diariamente para nos
refrescarmos, era , no fundo, o nosso pequeno luxo.
Considero que as condições gerais eram piores
que o qurtel em Mueda, no entanto enquanto por
lá estavamos não entramos em operações.
No
período que permanecemos em Mueda, nunca as águas foram
atacadas,
apesar da calmo e do sossego, as armas entavam sempre
perto de nós.A segurança estava sempre
assegurada, especialmente á noite, e todos sabiam as horas e o tempo de turno de alerta.
Todos sabiamos que havia um
bunker que foi " transformado " em casino , onde
se reuniam os viciados da " lerpa ", sendo um deles o Rodrigo Vaz, mais conhecido por " Patrão ",
pelo seu habito de perder e assim " alimentar " os camaradas.
Numa das noites quentes, e como
não conseguia dormir, sai das casota, peguei na G3 e fui
dar uma volta pelo perimetro, imediatamente reparei, por causa de uma pequen a luz, que o " casino " estava
a funcionar. Aproximei-me e repareu numa G3 encostada á entrada mas do lado de fora. Agarrei na
" menina ", e sem ninguém dar por isso
levei-a para a casota onde dormia. Tirei o carregador, puxei a
coltra atrás e caiu uma bala, nesse aspecto
tudo estava em ordem, pois a indicação era para andarmos
sempre com a G3 com carregador e bala na camara, ao contrário das normas no quartel, onde apenas era
obrigatório nos postes de sentinela.
Meti-me na cama e no dia seguinte pela manhã
escrevi, num aerograma, mais ou menos as seguintes
palavras: " Encontrei uma amiguinha, que entrego a quem provar pertencer, com um carregador e uma bala na
camara". Coloquei na porta onde dormia, que era o local onde todas passavam pois dava para a piscina
e para a improvisada cozinha. Um dia inteiro sem
ninguém se acusar. No dia seguinte mudei de papel e escrevi
nova " carta " : Amanhã é dia de reabastecimento, não sei se o Alferes vem ou não, no entanto a
amiguinha que
encontrei irá ser entregue na secretaria para
identificação do seu dono, seguindo o processo
disciplinar ". Não demorou muito, depois do almoço aparece-me um camarada, a coçar a cabeça, e imediatamente
pensei que era aquele o dono da amiguinha, não me enganei.
- Furriel a arma é minha, fui lá
falar com um amigo e deixei a G3 encostada á porta.
- Pois, aquele local, á noite, tem muitos
amigos e demoraste tanto tempo a falar com ele que te esqueceste da
arma., disse eu.
- Vai-te embora, leva a G3 que vou pensar no assunto.
Como na altura sabia o nome de
todos, fui consultar a lista dos moradores dos Bunkers e confirmei que
ele não morava
onde estava a arma e , principalmente, áquela
hora não lhe competia estar de guarda, o que aliviava um pouco o
assunto. O
reabastecimento veio no dia combinado, o
Alferes apareceu mas não ficou por lá, continuando o
pelotão entregue a mim e ao
Furriel Alves. Passado um dia ou dois, prepara-se
uma secção para uma pequena patrulha até perto da
ponte, como não
era a secção daquele que se tinha
esquecido da amiguinha, chamo-o e disse-lhe para se juntar á
patrulha, imediatamente
me perguntou:
- É esse o castigo que decidiu????????
- É esse mesmo e ficas a zero, só que a tua amiga fica aqui e tu vais sem ela.
- Furriel, não faça isso que não vou sem ela.
Já tinha falado com o
Alves, e como o tempo prometia chuva, levavam os ponches e o Pita
levava a arma dele
escondida e ao ombro, que depois lhe seria entregue mal chegassem á picada.
- Furriel, sem arma não vou.
- Ok, não há problema, disse eu,
quando chegarmos a Mueda a ocorrência será comunicada
e tu , parece-me , que já lá
tens qualquer coisa no teu curriculum por causa de um problema com o Sargento Pinto.
A patrulha começou a
movimentar-se e quando chegou á saida, o camarada correu
para junto dela. Á tardinha, quando
chegaram, perguntou-me com um longo sorriso aberto:
- Castigo cumprido?????
- Não, isso não foi castigo. Quando
chegarmos a Mueda vais pagar uma rodada á tua
secção. Também fui convidado e
a segunda rodada foi paga por mim.
Nota: Dos camaradas da minha secção
penso que não me esqueci dos nomes, das outras
secções
o
tempo, 50 anos, vai levando os nomes. A memória visual, mesmo de
toda a companhia, ainda
vai cá estando.